Era uma cidade pequena, daquelas onde as pessoas se reúnem na praça, alimentam pombos, as crianças brincam sem preocupação, casais namoram de forma respeitosa.
Todos os vizinhos se conhecem, se saúdam, conversam, jogam cartas. Mas a cidade também evoluiu e muitas das casas antigas foram demolidas para ceder espaço a residências pomposas.
Em certa rua, porém, um humilde casebre resistia à modernização. Pertencia a um casal de idosos que não tiveram filhos, mas mesmo assim, eram muito unidos. Diversas propostas comerciais haviam sido feitas, contudo, o casal veterano recusava oferta após oferta. Nada do que oferecessem os demovia de não venderem sua propriedade.
Apesar de não terem netos, eram conhecidos na pacata cidade como o Vô Diógenes e Vó Carminha, diminutivo de Carmem. Eram considerados sábios e recebiam as pessoas para se aconselharem com eles.
Uma casa de luxo fora construída ao lado da casa dos idosos e o proprietário era homem rico, poderoso e orgulhoso. Logo começou a lançar indiretas ao sensível casal, dizendo que a vizinhança depreciava o preço do imóvel dele. Vô Diógenes tratou-o sempre com cortesia apesar das insinuações. Vó Carminha achava que o moço parecia arrogante e não merecia atenção, mas tão logo desabafava, já pedia desculpas ao esposo pelo julgamento precipitado.
Não demorou muito tempo e o jovem autoritário, tão incomodado que estava, resolveu enfrentar e ameaçar o casal. Fez com que acreditassem que tinha poder para comprar o casebre e despejá-los daquele lugar. Vô Diógenes fitou-o com comiseração e brandura:
- Senhor Rafael, grande é a sua fortuna e forte o seu poder. Só que maior do que tudo é o seu orgulho e a sua obstinação.
- O que pensa que está dizendo? – reagiu o vizinho, irritando-se.- O senhor foi poupado na educação e não aprendeu a aceitar o NÃO. Dessa forma, acha que todos devem servi-lo.
A serenidade com que Vô Diógenes falava repercutia no âmago do novo morador, provocando uma sensação de dependência que nada o agradou. Então compreendeu que a fama de sábio era mesmo verdadeira. De repente, sentiu que precisava desesperadamente fugir dali.
- Meu marido acertou em cheio, não é mesmo? – interveio Vó Carminha, deixando Rafael ainda mais desajeitado. – Presunção, egoísmo e arrogância são sentimentos que devemos evitar. Eles são nocivos para você e para os que estão ao seu redor.
- Eu... sinto muito – desculpou-se. – Eu vou indo. Não vou mais incomodar.
- Só mais um instante – pediu Vô Diógenes. – Quando o senhor aprender a respeitar a vontade dos outros, vai se sentir melhor com o senhor mesmo. A diferença será tanta que as outras pessoas perceberão. O senhor passará a querer o bem delas, e o povo então o elegerá para um cargo importante.
- Querido, precisamos jantar – lembrou gentilmente Vó Carminha. Despediram-se de Rafael e entraram.
Os anos passaram e Rafael não voltou a importunar o casal. Os idosos, já com idade avançada, passaram desta para melhor.
Rafael, por sua vez, mudara e, do jeito que Vô Diógenes predissera, o vizinho tomara gosto pela vida pública. Dinheiro, não precisava. Portanto, combatia a corrupção. Fazia campanhas para angariar fundos para obras de solidariedade, zelava em especial pelos mais idosos. Finalmente, concorrera às eleições municipais e fora eleito com a maioria absoluta de votos.
No dia em que foi empossado no cargo, lembrou-se, emocionado, de Vô Diógenes, que lhe dera aquela valorosa lição de vida. Rafael não guardava mais rancor nem remorso, pois aprendera a valorizar o conteúdo e não a embalagem.
Enquanto divagava, um rapaz abrira espaço na multidão e insistira com o assessor para falar com o novo prefeito. Ao se aproximar, o rapaz entregou para o prefeito um envelope e se retirou. Rafael abriu o envelope, apanhou os papéis de dentro e leu, primeiramente, a carta que lhe fora endereçada: “Parabéns, Rafael! Sabíamos que conseguiria!”. A dupla assinatura era de Vô Diógenes e Vó Carminha e, anexado, a escritura da propriedade onde residiram durante todos os anos de suas vidas doada em favor de Rafael, datada e lavrada em cartório um dia após o encontro entre eles. Rafael engoliu em seco e seus olhos ficaram marejados de lágrimas. Compreendeu que eles pretendiam vender a casa, porém, se cedessem aos caprichos de Rafael na época, este nunca teria amadurecido.
Decidiu então revitalizar a residência dos idosos e fundou no local um lar de amparo a pessoas carentes. Na inauguração, fez um discurso emocionado, testemunhando como o casal havia transformado sua vida. Ao cortar a fita e puxar a cortina, apresentou à comunidade o Lar Vô Diógenes e Vó Carminha, preparando você para a vida, em homenagem a duas célebres pessoas que se preocupavam com o bem comum.