Você também poderá ouvir este episódio no podcast Caminhos da Reflexão.
Ela continua sempre ali, à espreita, atenta a qualquer respiração. E eu aqui, acorrentada nesse porão escuro, e amordaçada de uma forma tão inteligente que não é possível eu manter um diálogo com meu próprio pensamento.
Passou-se tanto tempo que não consigo mais ter referência para medir os minutos, horas, dias, meses ou anos. E percebo que ela me cobiça. Vejo isso nos seus dentes sempre à mostra, em um sorriso cativante, convidativo.
"Não consigo me mexer e nem falar", penso em dizer, e captando meus anseios, responde com uma voz sussurrante, quase melodiosa:
- É só você querer.
"Mas realmente não consigo!", lhe retribuo em pensamento.
- Você não está se esforçando. Tem que querer, e desejando intensamente.
"Esqueceu-se dos grilhões que atrofiam minha vontade própria?", devolvi pensando aos gritos.
- É você quem pensa e se sente presa.
Desisto de fazê-la entender. Pelo jeito é extremamente teimosa, ou supostamente cega. Então, tenho um pensamento bom: luz, sol, água, natureza, e fico satisfeita com o efeito que causa em mim.
De repente, ela se aproxima e ordena que eu a siga. O temor que sinto incentiva-me a me erguer e vejo que estou livre. Esqueço o que eu queria fazer com a liberdade e fico imóvel e impassível. A liberdade não aguardada causa mesmo esse impacto.
Testo minha voz e me assusto com o estranho som que se liberta da minha boca. Palavras? Ou apenas sons? Como já mencionei, faz muito tempo que estou aqui. Mas decido segui-la pela escadaria interminável. Às vezes, aparece um estreito corredor de luz vindo de janelas minúsculas.
Sinto-me exausta por esse súbito esforço, contudo, continuo avançando degrau por degrau.
Quando chegamos ao patamar, minha algoz vira de frente para mim e sorri, transmitindo a confiança de que ela é tudo que eu tenho. E pede para que eu olhe em redor. A torre deve estar a uns trinta metros do chão e eu tenho um visual incrível da floresta. O céu está azul e lá embaixo corre um rio de águas cristalinas.
- Pule - ela incentiva, e eu tenho um sobressalto. Entretanto, ela sorri. - Você não quer ser livre? Ou prefere retornar para aquele porão imundo?
- Só tenho essas opções? - Quando ela confirma com um suave balançar de cabeça, fico inquieta e começo a pensar que a opção de fugir daquele lugar horrível em que fiquei enclausurada durante tanto tempo é razoável. Subo no parapeito da janela e olho para baixo. Finalmente meu sofrimento vai terminar, penso. E ela me observa com aquele olhar amigo, oferecendo apoio.
- Diga ao menos o seu nome para eu me lembrar quando alguém perguntar.
- Depressão. Meu nome é Depressão e eu sou produto do seu pensamento.
Respiro.
- E se eu simplesmente quiser ir embora pela porta da frente? - pergunto-lhe quando a ideia me ocorre.
- A decisão é sua - a Depressão reluta em responder, e parece decepcionada.
- Pois é o que eu vou fazer - e desço do parapeito.
Moral da história: a depressão não tem poder sobre você; a não ser que você deixe.