terça-feira, 31 de janeiro de 2017

A Prisioneira



Você também poderá ouvir este episódio no podcast Caminhos da Reflexão.



Ela continua sempre ali, à espreita, atenta a qualquer respiração. E eu aqui, acorrentada nesse porão escuro, e amordaçada de uma forma tão inteligente que não é possível eu manter um diálogo com meu próprio pensamento.


Passou-se tanto tempo que não consigo mais ter referência para medir os minutos, horas, dias, meses ou anos. E percebo que ela me cobiça. Vejo isso nos seus dentes sempre à mostra, em um sorriso cativante, convidativo. 

"Não consigo me mexer e nem falar", penso em dizer, e captando meus anseios, responde com uma voz sussurrante, quase melodiosa:

- É só você querer.

"Mas realmente não consigo!", lhe retribuo em pensamento.

- Você não está se esforçando. Tem que querer, e desejando intensamente.

"Esqueceu-se dos grilhões que atrofiam minha vontade própria?", devolvi pensando aos gritos. 

- É você quem pensa e se sente presa.

Desisto de fazê-la entender. Pelo jeito é extremamente teimosa, ou supostamente cega. Então, tenho um pensamento bom: luz, sol, água, natureza, e fico satisfeita com o efeito que causa em mim.

De repente, ela se aproxima e ordena que eu a siga. O temor que sinto incentiva-me a me erguer e vejo que estou livre. Esqueço o que eu queria fazer com a liberdade e fico imóvel e impassível. A liberdade não aguardada causa mesmo esse impacto.

Testo minha voz e me assusto com o estranho som que se liberta da minha boca. Palavras? Ou apenas sons? Como já mencionei, faz muito tempo que estou aqui. Mas decido segui-la pela escadaria interminável. Às vezes, aparece um estreito corredor de luz vindo de janelas minúsculas.

Sinto-me exausta por esse súbito esforço, contudo, continuo avançando degrau por degrau.

Quando chegamos ao patamar, minha algoz vira de frente para mim e sorri, transmitindo a confiança de que ela é tudo que eu tenho. E pede para que eu olhe em redor. A torre deve estar a uns trinta metros do chão e eu tenho um visual incrível da floresta. O céu está azul e lá embaixo corre um rio de águas cristalinas.

- Pule - ela incentiva, e eu tenho um sobressalto. Entretanto, ela sorri. - Você não quer ser livre? Ou prefere retornar para aquele porão imundo?

- Só tenho essas opções? - Quando ela confirma com um suave balançar de cabeça, fico inquieta e começo a pensar que a opção de fugir daquele lugar horrível em que fiquei enclausurada durante tanto tempo é razoável. Subo no parapeito da janela e olho para baixo. Finalmente meu sofrimento vai terminar, penso. E ela me observa com aquele olhar amigo, oferecendo apoio.

- Diga ao menos o seu nome para eu me lembrar quando alguém perguntar.

- Depressão. Meu nome é Depressão e eu sou produto do seu pensamento.

Respiro.

- E se eu simplesmente quiser ir embora pela porta da frente? - pergunto-lhe quando a ideia me ocorre.

- A decisão é sua - a Depressão reluta em responder, e parece decepcionada.

- Pois é o que eu vou fazer - e desço do parapeito.




Moral da história: a depressão não tem poder sobre você; a não ser que você deixe.





sábado, 28 de janeiro de 2017

Vapor de Dor

Você também poderá ouvir este episódio no podcast Caminhos da Reflexão.




Maria das Dores tinha vinte e dois anos e trabalhava como repositora em um supermercado. Ela gostava de seu trabalho e se esforçava para ser uma boa funcionária.

Certo dia, ela desceu a escada com caixas de produtos de higiene para abastecer as prateleiras e torceu o pé bem de levinho. Achou que dava para suportar a dor e não falou para ninguém.

No dia seguinte, porém, ao se levantar da cama sentiu que o pé estava incomodando muito e se apressou a aplicar um gel anti-inflamatório e enfaixar. Enquanto trabalhava naquele dia, todos os colegas e até clientes do estabelecimento perguntavam-lhe o que tinha acontecido e ela respondia que tinha torcido o pé e que estava tudo bem. Entretanto, ela não podia imaginar que o ocorrido chegasse aos ouvidos da patroa, que a chamou para o escritório tão logo soube de seu incidente.

Maria obedeceu imediatamente e foi ao encontro da patroa. Esta, furiosa com o comportamento da funcionária em deixar todos com dó de ela estar trabalhando com um pé machucado, exigiu que Maria retirasse a faixa.

- Não tem nada machucado aí - disse a patroa ao verificar o pé após ter sido desenfaixado. - Você está inventando isso para que todos pensem que somos patrões severos e intolerantes. Volte já para o seu trabalho e não repita isso nunca mais.

Envergonhada, Maria voltou a trabalhar e quando saiu do expediente caiu em prantos. A humilhação deixara-a arrasada.

À noite, orou para que Deus mostrasse, de alguma forma, como as pessoas sentem dores e logo em seguida caiu em um sono profundo.

Uma luz muito brilhante iluminou todo o seu quarto e ela teve medo. Quando conseguiu habituar os olhos, viu um anjo com asas e tudo!

- Boa noite, Maria. Vim aqui para atender um pedido que você fez a Nosso Senhor. Venha comigo.

Ela levantou e segurou na mão estendida do anjo. Subitamente, viu-se no local onde trabalhava e todas as pessoas em suas respectivas funções. Contudo, de cada uma delas surgia um vapor de algum lugar específico do corpo e ora os vapores eram brancos, ora amarelados, esverdeados e até cinzas e bem espessos.

- Você pediu para que as dores fossem reveladas, e eis a forma que Deus encontrou. Vê aquele seu colega do hortifruti? Faz anos que ele sofre com dor na coluna e como é uma dor bastante forte, o vapor que exala do ápice da dor é esverdeado.

- E a moça do caixa, o que ela tem? Todo o corpo dela está fumegando com uma cor cinza muito densa.

- Ela ainda não sabe, mas as dores que ela suporta são sintomas de leucemia.

Maria admirou a coragem da colega de trabalho e se perguntou por que ela ainda não havia ido ao médico. Enquanto observava os demais trabalhadores, o anjo pediu para que ela olhasse para o próprio pé. Dele subia um vaporzinho branco semelhante a água fervendo. Percebeu então o que Deus quis lhe ensinar. E o anjo complementou:

- Todos os seres humanos sentem algum tipo de dor, uns mais, outros menos, e recebem a força necessária para suporta-lá.

O anjo segurou no ombro de Maria e, em um piscar de olhos,  ela acordava em sua cama novamente.

Seu pé continuava doendo, e lembrando-se do sonho, adquiriu forças para aguentar caminhar o dia inteiro pois sabia que havia colegas com problemas piores. E, para ser bem sincera consigo, para evitar nova humilhação.

Depois de algumas horas, a patroa mandou recado de que queria vê-la novamente. Com medo de outra represália, a moça foi rapidamente ao escritório.

Sua patroa estava com o cotovelo envolvido em uma bandana, mas Maria ficou bem quietinha. Então ela avisou que tinha marcado uma consulta médica para Maria examinar o pé e informou que pagaria também pelos medicamentos que o médico prescrevesse. Ainda se prontificou a levar Maria ao consultório.

Maria só conseguiu murmurar um obrigada e quando estavam dentro do carro sua patroa lhe explicou:

- Dei uma cotovelada na parede ontem à noite em minha casa quando levantei na madrugada e  hoje cedo quando reclamei sobre meu braço dolorido com meu marido, ele riu e disse que "não tem nada aí. Você tá de frescura".

Maria não falou nada, mas sorriu interiormente com a verdadeira revelação das dores.

INOVAÇÃO E EMPREENDEDORISMO

O povo brasileiro é criativo e empreendedor, principalmente motivado por ambientes de crise, como a pandemia do Covid-19, que refreou a econ...